O Dia Nacional de Luta da População de Rua é celebrado no dia 19 de agosto, em memória ao triste episódio conhecido como “Massacre da Sé”, onde sete moradores de rua foram assassinados nos dias 17 e 18 de agosto de 2004 em São Paulo.
Na ocasião, cinco policiais militares e um segurança foram apontados como responsáveis pelas execuções. Quinze anos depois ainda não há notícias de responsabilização. As parcas notícias sobre o tema informam que a única testemunha dos fatos, também moradora de rua da região, foi morta, o que teria prejudicado o andamento do processo.
É triste constatar que esse descaso não foi pontual e permeia todos os assuntos referentes à população em situação de rua. Tal descaso é apenas mais um reflexo do tratamento dado à esta população tão vulnerabilizada.
A pouca produção de dados oficiais em âmbito nacional sobre as pessoas em situação de rua sempre foi um problema que aumenta sua invisibilidade e dificulta o desenvolvimento de políticas públicas. Ainda hoje, mesmo com toda a organização dos movimentos sociais que lutam para a melhoria das condições de vida e pela maior atuação dos órgãos públicos nesse sentido, é grande a dificuldade de acesso ou quase inexistência de dados sobre as características desta população, sobre quem são e os motivos que as levaram a estar nas ruas. Isto contribui para que permaneçam como invisíveis diante da sociedade e atrapalha o acesso aos serviços e direitos sociais.
Apenas no ano de 2016, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) apresentou um relatório (TD 2246 - Estimativa da População em Situação de Rua no Brasil) onde estimou a existência de 101.854 pessoas em situação de rua.
Ainda, de forma tímida, o programa Disque 100, vinculado ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, apresentou dados sobre a violência às pessoas em situação de rua no Brasil, constatando que houve um aumento de denúncias nesse sentido, pois recebeu no ano de 2016 o número de 1.148 denúncias, contra 902 de 2015. O Ministério aponta ainda que, “quanto à natureza da violência, verificamos, em relação a 2015, o aumento da violência institucional (de 50 para 68) e da negligência (De 520 para 709). O perfil da População em Situação de Rua no disque 100 está composto por 54% de vítimas do gênero masculino e 26% do gênero feminino; a faixa etária varia de 22% de jovens de 18 a 30 anos, 18% de 31 a 40 anos, 14% de 41 a 50 anos e 9% de pessoas acima de 61 anos. Quanto à raça/cor, pretos e pardos somam 42% das denúncias. Quanto à orientação sexual e identidade de gênero, há informações sobre 0,38%, dos quais 75% são gays e 15% são pessoas bissexuais”.
Para tentar reverter esse quadro, em 23 de dezembro de 2003, foi instituído pelo Decreto nº 7.053 a Política Nacional para a População em Situação de Rua, que define população de rua como “o grupo populacional heterogênio que possui em comum a pobreza extrema, os vínculos familiares interrompidos ou fragilizados e a inexistência de moradia convencional regular, e que utiliza os logradouros públicos e as áreas degradadas como espaço de moradia e de sustento, de forma temporária ou permanente, bem como as unidades de acolhimento para pernoite temporário ou como moradia provisória”. (art. 1º, §ú, Decreto 7.053/2009).
A Política Nacional, além de buscar retirar da invisibilidade essa população, “garante os processos de participação e controle social e possui entre seus princípios, além da igualdade e equidade, o respeito à dignidade da pessoa humana; o direito à convivência familiar e comunitária; a valorização e respeito à vida e à cidadania; o atendimento humanizado e universalizado; e o respeito às condições sociais e diferenças de origem, raça, idade, nacionalidade, gênero, orientação sexual e religiosa, com atenção especial às pessoas com deficiência”. Saiba mais.
Salienta-se que segundo o relatório do Conselho dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) “a situação de rua é uma crise global de direitos humanos que requer uma resposta global e urgente. Ao mesmo tempo, a situação de rua é uma experiência individual de alguns dos membros mais vulneráveis da sociedade, caracterizada pelo abandono, desespero, baixa autoestima e negação da dignidade, consequências graves para a saúde e para a vida. O termo ‘situação de rua’ não só descreve a carência de moradia, como também identifica um grupo social. O estreito vínculo entre a negação de direitos e uma identidade social distingue a falta de moradia da privação de outros direitos socioeconômicos”.
É nesse contexto que a Defensoria Pública de MS, por meio do Núcleo Institucional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos (Nudedh), reforça a importância da data no anseio de “contribuir com a democratização do conhecimento e com o empoderamento dos sujeitos, na busca pelo acesso à justiça e à cidadania”.
Por Mateus Augusto Sutana e Silva, coordenador do Núcleo Institucional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos (Nudedh).