A Escola Superior da Defensoria Pública trouxe diversos especialistas para discutir políticas públicas para pessoas em situação de rua em mais uma edição do “diálogos interdisciplinares”, projeto de palestras que fomentam olhares distintos em diversas questões.
O primeiro palestrante foi o ouvidor-geral da Defensoria Pública de São Paulo e jornalista, Alderon Pereira da Costa. A Instituição de SP é uma das poucas do Brasil que têm um órgão de controle externo para mediar e dialogar com os assistidos e movimentos sociais, incluindo a população em situação de rua.
Alderon tem um extenso trabalho com essa parcela da população. “Trabalhava com pessoas em situação de rua e comecei a participar da organização de fóruns dentro do estado, depois tivemos um comitê nacional. Foi quando começamos a entender a Defensoria Pública como a Instituição legitimada para defender os direitos dessa população”.
De acordo com o palestrante, na maioria das vezes tendemos a tratar as pessoas e as coisas automaticamente, seguindo normas de conduta assumidas de forma acrítica. “Isto resume a forma como vemos as pessoas de rua. Pouco paramos para pensar o porquê de determinadas situações. Precisamos desnaturalizá-las. Hoje é comum andar em São Paulo e ter que levantar o passo para passar pelos pés de alguém. Eles dormem atravessados para mostrar sua vulnerabilidade. Ficar escondido é perigoso. É uma forma de sobrevivência”.
Para Alderon, um dos principais problemas no Brasil é a desigualdade social. “Cinco porcento da população recebe o mesmo total que os demais 95%. Uma das soluções para os problemas são as políticas públicas. Educação, os projetos e os programas de inclusão são importantes para que todas as pessoas tenham oportunidades”.
E as políticas públicas devem ser feitas com os movimentos específicos. “Elas devem estar referendadas na diversidade de questões levantadas pelos estudos e a experiência acumulada pela sociedade. Não dá para fazer política pública com intuição, tem que fazer pesquisa. Não dá para fazer para, tem que fazer com a pessoa”, concluiu.
O evento também contou com os relatos de Anderson Lopes Miranda, que viveu em situação de rua de 1991 até 2005. “Eu não fui para a rua porque eu quis, fui por vínculos familiares. Meu pai não podia me assumir, pois teve um caso com a minha mãe. Me mandaram para o orfanato, onde as regras são construídas de cima pra baixo, sem entender as necessidades das pessoas. Lá não me adaptei e com 12 anos saí para trabalhar e fui para uma pensão“.
Com 14 anos, enfrentando dificuldades, Anderson passou a viver em situação de rua. “Eu não queria ir para rua, foi a condição. Sair da rua foi pior ainda. Na rua eles não olham para sua cara, deixam a comida e vão embora. Importante entender quem é a pessoa nessa situação. Sair da rua não é fácil. Cair é, pela omissão do estado”.
Segundo o palestrante, uma das maiores dificuldades é o preconceito e o olhar estigmatizante. ”O que a gente não gosta é de ser chamado de vagabundo, bandido, indigente. Nós temos nomes, mas os albergues costumam tratar a gente como número. Não é a cachaça, o crack, a cocaína, a maconha, é o sentimento humano que muitas vezes leva a gente para a rua”.
Outro problema é a dificuldade de arranjar emprego. “Primeiro você tem casa e depois emprego. As pessoas em situação de rua não conseguem emprego, pois não têm comprovante de residência e o equipamento social, como o albergue, não é considerado pelas empresas como residência”, explicou.
Ao apresentar o último palestrante do evento, a defensora pública Valdirene Gaetani Faria, que estava mediando as palestras, afirmou que é papel da Defensoria Pública encampar a discussão e atuar como um agente de transformação.
Defensor Público do Estado de São Paulo, Rafael Lessa falou sobre o trabalho que a Instituição de SP promove para a população em situação de rua. Lá eles têm um atendimento especializado, que foi instituído após pressão do movimento social.
“Ele está regulamentado e estamos com uma previsão de expansão desse atendimento para o interior do estado. Ele funciona desde 2011 e iniciou junto com a DPU em um atendimento à população de rua. A demanda era que o atendimento fosse no espaço da Defensoria Pública e, por isso, criamos uma triagem específica com algumas diferenças do atendimento comum. O atendimento é porta aberta, sem limitação de senha. Também fazemos atendimentos itinerantes na rua para pessoas que estão mais distantes e em centros de acolhida”, afirmou.
Segundo o defensor, a promoção dos direitos humanos é uma previsão institucional da Defensoria Pública. “Mas falar em direitos humanos não é algo tranquilo dentro do Estado, muitas vezes o violador desses direitos. Há um conflito, pois quando o Estado prevê os direitos humanos parece que tudo já está feito, mas muito pelo contrário, vemos nas mobilizações sociais que esses direitos são constantemente violados. A defensoria tem esse papel de garantir o direito das pessoas necessitadas e uma forma essencial é ouvir o que esse movimento tem a dizer”.
O palestrante disse que a solução para a desigualdade social passa por mais distribuição de riqueza. “A ONU levantou uma vez o dado de que a humanidade produz alimento suficiente para toda a população mundial, então quando falamos da fome não é um problema da produção, mas sim na distribuição. Essa mesma lógica dos alimentos se aplica também à moradia. Se olharmos a questão da existência da falta de habitações, vemos que o problema não é a falta de imóveis. Muitas políticas públicas em países e no Brasil focam na construção de imóveis. Mas a gente pode olhar por um outro ângulo e verificar que só na cidade de São Paulo existem 290 mil imóveis vazios para uma estimativa de 20 mil pessoas em situação de rua. O dado oficial da Prefeitura aponta 16 mil pessoas. Se ficarmos com este número são quase 20 imóveis para cada pessoa em situação de rua”.
Pontuou que muitas pessoas usam os imóveis como reserva financeira e deixam vazios ao invés de disponibilizar para moradia. “O número de pessoas sem teto é de cerca de 6 milhões de pessoas no Brasil e é o mesmo número dos imóveis vazios, segundo o IBGE. Se pensamos em pessoas sem teto o déficit habitacional é igual ao número de imóveis vazios. Parece claro esse problema de acesso”.
Outro ponto destacado é razão de se pensar em moradia e não em albergue. “Aprendi isso falando com as pessoas em situação de rua. Elas não querem albergue como solução. Hoje deve ter umas 10 mil vagas para as 16 mil pessoas. Para 6 mil pessoas não têm vaga, só a rua mesmo. E há muitas reclamações sobre as condições desses albergues”, contou.