“Quando se fala em convivência familiar, é preciso ‘abrir a cabeça’ e pensar sempre no melhor interesse da criança”, afirma especialista da infância e juventude em curso da ESDP

 

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Nesse sábado a Escola Superior da Defensoria Pública reuniu mais de 80 pessoas no primeiro módulo do curso Educação em Direitos. A aula foi ministrada pelo professor doutor Paulo Eduardo Lépore, sobre “convivência familiar x abrigamento precoce”.

                         

No evento, o palestrante abordou os novos arranjos familiares, as perspectivas de convivência familiar presentes no Estatuto da Criança e do Adolescente e possíveis propostas para um futuro estatuto da adoção.

 

Novas famílias

 

De acordo com o professor, é com a Constituição Federal de 1988 que se começou a ampliar o conceito de família, “quando no artigo 226 reconhece a família monoparental. Depois desse grande avanço, o STF reconheceu a união estável homoafetiva pra dizer que o rol de famílias da CF é meramente exemplificativo e merece ser ampliado”.

 

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Para Lépore, a decisão do Supremo se agarra em dois valores. O eudemonismo e a socioafetividade. O primeiro vem de Aristóteles e significa a busca da felicidade. O segundo é o afeto que une as pessoas. “Todo agrupamento de pessoas que buscam felicidade e têm afeto entre si, é família. Não cabe à legislação trazer um rol fechado de famílias, pois a dinâmica das relações sociais é acelerada”.

 

Novas possibilidades trazem muitos dilemas éticos a serem enfrentados. É a moral sexual que limita o modo como as famílias podem ou não se construir. O professor afirma que quando se fala em convivência familiar, é preciso ‘abrir a cabeça’ e pensar sempre no melhor interesse da criança.

 

“Uma família desestruturada é aquela que se violenta dentro do lar, que fica junto em nome de aparência social. Hoje, existem muitas crianças que vivem com pais separados e são felizes, pois a felicidade está vinculada ao afeto, a criação e a educação que recebem. Os dilemas que parecem ser éticos quase sempre se vertem em dilemas religiosos”.

 

O Melhor Interesse da Criança

 

Outro ponto abordado na palestra foi o conceito ‘o melhor interesse da criança’, calcado na Convenção sobre os Direitos da Criança de 1989.

 

“Nos tribunais vemos como o ‘superior interesse da criança’, mas essa é uma tradução errada e é importante não deturpar esse conceito, pois este princípio não coloca a criança acima de tudo, como parece na tradução. Não existe superior interesse de modo absoluto. O que temos que pensar é o que é melhor pra criança no caso concreto”.

 

Segundo Paulo Lépore, atualmente, o princípio do melhor interesse está ligado à socioafetividade, à afinidade, busca da felicidade, como um dos vetores da convivência familiar e comunitária. “O ECA abraçou essas ideias desde 2009 quando foi publicada a lei 12.010, que revolucionou o sistema de convivência familiar e comunitária”.

 

A legislação citada entende que o afastamento da criança de sua família deve ser temporário, salvo situações de extrema violência, como abusos.

 

“No que consiste essa temporariedade? Para onde eu mando a criança? Como que fiscalizo esse momento? Como o magistrado, o promotor, o defensor devem se comportar? Como proceder? É aqui que cada lugar tem as suas particularidades. O modo como a rede está estruturada é determinante para o que acontece a partir do afastamento temporário”, explicou.

 

 

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Acolhimento familiar

 

“O acolhimento familiar é um tópico polêmico, mas importante de ser tratado. Polêmico porque quando ele chega a seu ápice significa o fim dos abrigos institucionais”. Em sua fala, o professor relatou o exemplo de sucesso de Cascavel, no Paraná. O município conta hoje com mais de 100 famílias cadastradas para atuar como famílias acolhedoras.

 

No programa de família acolhedora, a pessoa se inscreve para receber crianças ou adolescentes sob a condição de ter a tutela temporária, enquanto o Estado trabalha na reestruturação da família natural.

 

É importante ressaltar que no acolhimento familiar também há o acompanhamento de uma equipe técnica multidisciplinar. “Para que o programa funcione não se pode esperar que as famílias acolhedoras sejam perfeitas, pois nenhuma é. Vão ter problemas, mas isso é parte de uma família”, afirmou.

 

Educação em direitos

 

Segundo a diretora da Escola Superior, a defensora pública Patrícia Elias Cozzolino de Oliveira, o curso busca aprofundar questões já desenvolvidas pela ESDP em resposta às demandas da população.

 

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“No dia 19 de agosto, ouvimos diversas lideranças populares sobre temáticas que a comunidade compreende como importantes, na perspectiva da educação em direitos. Assim, a Escola Superior da Defensoria Pública oferecerá estas temáticas como resposta às sugestões trazidas pela comunidade”.

 

Outros módulos serão realizados nos próximos meses, sempre na última sexta-feira do mês. O curso será oferecido nas manhãs de sábado para facilitar a participação da comunidade e ampliar o tempo de discussões e aprofundamentos do tema.

Por Lucas Pellicioni

Defensoria Pública-Geral do Estado de Mato Grosso do Sul

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