Matéria atualizada em 01/08/2017 às 16h59.
Um assistido transexual conseguiu por meio da Defensoria Pública a alteração do seu nome e do gênero em seu registro civil. O jovem nasceu com os órgãos reprodutivos femininos, mas, segundo o pedido da Defensoria, desde muito pequeno não se reconhecia como do gênero feminino.
No processo, o rapaz relata uma lembrança da infância: “um dia, quando tinha uns quatro anos, saí para comprar roupas com a minha mãe, eu estava eufórico, queria roupas novas, mas ao mesmo tempo triste, sem saber exatamente o porquê, algo me incomodava, parecia pressentir... chegamos ao departamento de roupas femininas, não gostava de nada, parecia uma tortura, quando de repente... meus olhos brilharam. Era uma bermuda e uma camiseta regata, acredite, eu me lembro desse dia até hoje”, contou.
Apesar de todos os relatos, laudos médicos e psicológicos, o juiz de primeira instância concedeu a alteração apenas do nome, reconhecendo que manter o prenome feminino acarreta em humilhações e constrangimento, mas manteve o gênero inalterado no registro civil sob a justificativa de que ‘a verdade real é o sexo biológico que deve constar nos registros públicos’.
Vida difícil
Na petição inicial, a defensora pública de segunda instância Vera Regina Prado Martins explica que as mudanças de aparência começaram cedo na vida do assistido. “Aos doze anos passou a fazer uso de medicamento para não menstruar, assumindo-se como pessoa do sexo masculino, rejeitando sua feição feminina, fazendo uso de faixas para disfarçar os seios”, explicou.
Aos 18 anos, em razão dos inúmeros constrangimentos que havia sofrido e com a insatisfação com a vida que levava no Brasil, ele mudou-se para o Japão, com o objetivo de começar uma nova vida, mas tudo foi em vão, retornando ao Brasil tão logo.
No retorno ao país, tentou procurar emprego em diversas empresas, mas no momento das entrevistas era dispensado pelo fato de sua aparência dele não condizer com o documento.
Pela falta de emprego voltou ao Japão, quando após inúmeras pesquisas teve conhecimento sobre o transtorno de identidade de gênero e ficou ciente de casos semelhantes como o seu em todo o mundo. Novamente de volta ao Brasil, em 2010 passou a fazer tratamento psicológico. O laudo profissional atesta a transexualidade: “apresenta convicção inalterável que pertence ao sexo oposto ao seu registro, reprovando seus órgãos sexuais femininos externos. Tendo um comportamento social e aparência masculina, sendo reconhecido pelo nome social, pelo qual é tratado por quem tem convivência há muitos anos”.
Segundo a defensora pública, a mudança do registro garante não apenas a sua dignidade, mas também preserva sua saúde. “Entre outros efeitos, o estresse, originado pela discriminação e transfobia, é responsável por prejuízo a saúde física e emocional dos indivíduos, tais como depressão, ansiedade, dificuldade de sono, dores de cabeça crônicas, irritabilidade, baixa imunidade e problemas cardíacos. A alteração do registro civil garante o direito à autonomia da sua personalidade, preserva a sua dignidade e evita mais danos psicológicos”, explicou.
No momento, o assistido aguarda consulta médica para se submeter à cirurgia de redesignação de gênero. Neste ínterim, viveu o constrangimento de ter em seu documento uma informação diferente da realidade.
Após a negativa parcial dos pedidos pelo juiz de primeira instância, a defensora pública Regina Célia Rodrigues Magro interpôs recurso de apelação e, com a atuação em segunda instância do defensor público Sílvio Fernando de Barros Corrêa, a sentença foi reformada, inclusive quanto à alteração do gênero.
“Conheço do recurso e com o parecer dou-lhe provimento para reformando parte da sentença proferida determinar a retificação do nome e do gênero do requerente em seu assento de nascimento para que passe a constar o nome solicitado e gênero masculino”, ordenou o acórdão.